Comissária Científica | Annabela Rita. Doutorada em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea e Agregada em Literatura.
Selecção de textos | Isabel Ponce de Leão. Professora Catedrática.
Scientific Commissioner | Annabelle Rita. PhD in Modern and Contemporary Portuguese Literature and Aggregate in Literature.
Text selection | Isabel
Ponce de Leão. University Professor.
Índice . Index
Pedro Nunes, Tratado da Esfera (1537)
Luís de Camões, Os Lusíadas (1572)
Fernando Pessoa, Mensagem (1934)
Carlos Drummond de Andrade, Claro Enigma (1951)
António
Gedeão, Máquina
de fogo
(1961)
Pedro Nunes. Tratado da Esfera (1537)
"A universal máquina do Mundo divide-se em duas partes: celestial e elementar. A parte elementar é sujeita a contínua alteração: e divide-se em quatro, a terra a qual está como centro do mundo no meio assentada, segue-se logo a água e ao redor dela o ar e logo o fogo puro que chega ao céu da lua." A região celestial é composta por nove esferas a "saber, esfera da Lua, do Mercúrio, de Vénus, do Sol, de Marte, de Júpiter, de Saturno, das estrelas fixas, e a do derradeiro céu".
Luís de Camões. Os Lusíadas
(1572)
«Faz-te mercê, barão, a Sapiência
Suprema de, cos olhos corporais,
Veres o que não pode a vã ciência
Dos errados e míseros mortais.
Sigue-me firme e forte, com prudência,
Por este monte espesso, tu cos mais.»
Árduo, difícil, duro a humano trato.
Não andam muito que no erguido cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfícia, claramente.
Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nunca s'ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
Por toda a parte tem; e em toda a parte
Começa e acaba, enfim, por divina arte,
Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: - «O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.
«Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfícia tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.
«Este orbe que, primeiro, vai cercando
Os outros mais pequenos que em si tem,
Que está com luz tão clara radiando
Que a vista cega e a mente vil também,
Empíreo se nomeia, onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que ele só se entende e alcança,
De quem não há no mundo semelhança.
«Aqui, só verdadeiros, gloriosos
Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,
Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
Fingidos de mortal e cego engano.
Só pera fazer versos deleitosos
Servimos; e, se mais o trato humano
Nos pode dar, é só que o nome nosso
Nestas estrelas pôs o engenho vosso.
«E também, porque a santa Providência,
Que em Júpiter aqui se representa,
Por espíritos mil que têm prudência
Governa o Mundo todo que sustenta
(Ensina-lo a profética ciência,
Em muitos dos exemplos que apresenta);
Os que são bons, guiando, favorecem,
Os maus, em quanto podem, nos empecem
«Quer logo aqui a pintura que varia
Agora deleitando, ora ensinando,
Dar-lhe nomes que a antiga Poesia
A seus Deuses já dera, fabulando;
Que os Anjos de celeste companhia
Deuses o sacro verso está chamando,
Nem nega que esse nome preminente
Também aos maus se dá, mas falsamente.
«Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
E tornando a contar-te das profundas
Obras da Mão Divina veneranda,
Debaxo deste círculo onde as mundas
Almas divinas gozam, que não anda,
Outro corre, tão leve e tão ligeiro
Que não se enxerga: é o Móbile primeiro.
«Com este rapto e grande movimento
Vão todos os que dentro tem no seio;
Por obra deste, o Sol, andando a tento,
O dia e noite faz, com curso alheio.
Debaxo deste leve, anda outro lento,
Tão lento e sojugado a duro freio,
Que enquanto Febo, de luz nunca escasso,
Duzentos cursos faz, dá ele um passo.
«Olha estoutro debaxo, que esmaltado
De corpos lisos anda e radiantes,
Que também nele tem curso ordenado
E nos seus axes correm cintilantes.
Bem vês como se veste e faz ornado
Co largo Cinto d, ouro, que estelantes
Animais doze traz afigurados,
Apousentos de Febo limitados.
«Olha por outras partes a pintura
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura
ro, pousada dos humanos,
Que não somente, ousados, se contentam
De sofrerem da terra firme os danos,
Mas inda o mar instábil exprimentam,
Verás as várias partes, que os insanos
Mares dividem, onde se apousentam
Várias nações que mandam vários Reis,
Vários costumes seus e várias leis.
Texto-base digitalizado por:
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional <https://www.fccn.pt>
IBL - Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro <https://www.ibl.pt>
Disponível em: <https://web.rccn.net/camoes/camoes/index.html>
Edição fixada por Álvaro Júlio da Costa Pimpão.
Surgir, redonda, do azul profundo.
Carlos Drummond de Andrade. Claro Enigma (1951)
A Máquina do Mundo
(...)
a máquina do mundo se entreabriu
(...)
(...)
e tudo o que define o ser terrestre.
António Gedeão. Máquina de fogo (1961)
Daí, que (...)
esta fresta
de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.